segunda-feira, 13 de maio de 2013

A Estética do Frio Refletida no Sobrado


Em 2010, Pelotas pôde receber, no dia 20 de novembro, o espetáculo “O Sobrado”, do Grupo Cerco, de Porto Alegre/RS, dirigido por Inês Marocco, apresentado no espaço do Grupo Tholl, na região do Porto de Pelotas. A peça foi muito bem adaptada a partir da obra “O Continente”, do escritor gaúcho Érico Veríssimo.

A história se passa durante a Revolução Federalista, ocorrida no Rio Grande do Sul, em meados de 1895. Durante o desenrolar dos fatos, são retratados os conflitos que surgem entre estes indivíduos numa situação de limite. Para quem conhece a obra de Érico Veríssimo, percebeu que a adaptação da linguagem literária para a teatral se deu de forma fiel e precisa. No entanto, acredito que aqueles que desconheçam a obra literária, sentiram-se instigados a procurá-la, tamanha foi a competência do grupo em criar o ambiente em que aqueles indivíduos estavam inseridos e a condição dramática da sua situação sócio-política.

Um dos grandes acertos do grupo foi a concepção de figurinos que retratou com fidelidade a realidade gaúcha daquela época, estando muito de acordo com a proposta de concepção geral do espetáculo. Refiro isso, pois muitas vezes algumas pessoas pensam que figurinos devam ser sinônimos de fantasias, alegorias de carnaval, ou capas de revistas. Muito pelo contrário, figurinos devem ser funcionais e adequados à proposta do espetáculo. Sua beleza está na adequação à concepção estética da obra. Neste caso, o Grupo Cerco acertou com simplicidade e coerência.

Com certeza, o ponto alto da montagem é a direção competente de Inês Marocco. Percebo que esta diretora tem uma mão muito precisa para trabalhar os desenhos cênicos, administrando muito bem os coros. Além disso, os atores estavam coesos e bem nivelados, mostrando que a diretora soube equalizar as atuações para não gerar discrepâncias. As cenas estavam muito bem construídas, com um encadeamento muito bem adaptado, sem perder a linha de raciocínio da obra de origem. Nesta perspectiva, o ritmo do espetáculo me chamou muito atenção, pois não se trata de um espetáculo com o ritmo frenético que outras linguagens contemporâneas costumam bombardear os espectadores.

No caso do Sobrado, o espetáculo tinha um ritmo próprio e, justamente este ritmo, ajudava a construir o ambiente trágico e pesado do contexto histórico em que aqueles indivíduos viviam. A partir deste ritmo, pudemos visualizar um belo exemplo do que seria a estética do frio, tão bem retratada por Vitor Ramil em sua obra. Esta opção de concepção cênica foi arriscada, pois poderia levar o espetáculo a um ritmo arrastado, moroso e chato. Mas, não foi o que presenciamos, pois a diretora acertou em cheio, ao optar por este ritmo mais lento para contar os fatos.

No que se refere aos atores, percebia-se que havia um grande entrosamento e química entre o elenco. Isto é sempre um ponto positivo em qualquer montagem para que o grupo consiga ter total domínio do espetáculo, podendo estar em plena sintonia para contornar rapidamente quaisquer problemas que possam vir a acontecer. Entretanto, penso que faltou um pouco de peso às atuações, uma vez que os personagens estavam numa situação extrema, com uma degradação limite, chegando ao ponto do desespero. O fácil seria transformar isso numa atuação canastrona televisa, ou controlar tanto que a estética do frio poderia passar pela inexpressividade. Porém, tanto a diretora, quanto o elenco, não optaram pelo óbvio, nem pelo fácil. Mas, mesmo assim, os atores não conseguiram atingir a profundidade e o peso que pessoas naquela situação carregam. Seria este fato pela pouca idade do elenco? Talvez, não sei dizer. Acredito que uma obra como esta, talvez necessitasse de um estudo prolongado, um trabalho de construção de personagens mais aprofundado e intenso...

A trilha sonora executada ao vivo trouxe um salto na qualidade do espetáculo. Muito bem executada, com os atores se revezando nos instrumentos. As músicas estavam muito adequadas à proposta e às situações que transcorriam em cena, agregando um toque de intimidade que jogava o espectador pra dentro da cena. Além disso, a iluminação foi muito competente, sabendo adaptar-se às características e recursos disponíveis no local. Refiro isso não apenas nas dimerizações das emissões de luz, mas também, relacionado à palheta cromática utilizada. As cores estavam muito de acordo com a ambientação e os climas propostos, compondo a cena consonantemente com os outros elementos.

Porém, nem tudo foram flores naquela noite. Apesar de haver uma fila imensa, dobrando a quadra com muitas pessoas querendo assistir ao espetáculo, quase lotando o espaço, antes do espetáculo começar, tivemos o desprazer de assistir a uma palhaçada – no pior sentido da expressão. Antecedendo o início da apresentação, uma pessoa que trabalha na prefeitura de Pelotas, sobe ao palco para entregar plaquinhas e troféus para os seus amigos e, inclusive, para si. Como se não bastasse essa baboseira, a pessoa ainda foi às lágrimas ao entregar placas em homenagem aos seus funcionários por terem trabalhado no evento que estavam organizando naquela semana. Ora vejam, as pessoas são pagas com dinheiro público para trabalharem e ainda gastam esse dinheiro para SE homenagearem pelo trabalho que deveriam ter obrigação de cumprir. No entanto, esta não foi a primeira vez, já que eu mesmo já presenciei, em outras duas oportunidades, esta mesma pessoa vir às lágrimas, em público, antes de um espetáculo, para oferecer homenagens a SI e a sua equipe.

Há uma grande inversão de valores nesta situação e, ao mesmo tempo, isto reflete a cara da política cultural para teatro neste município, uma vez que coloca em cargos pagos com dinheiro público pessoas despreparadas, sem formação e vivência artística para administrarem e fomentarem a cultura local. Mas, além disso, o que mais me chocou foi a falta de respeito com os artistas que estavam por se apresentar, pois caso estas pessoas não saibam, a equipe de um espetáculo teatral chega com muita antecedência no local, se prepara, necessita de concentração, aquecimento, aferição dos últimos detalhes. Tudo isso, para que possa estar em cena, na hora marcada. Quando uma pessoa resolve invadir o ambiente cênico para se aparecer, além de profanar o trabalho daqueles profissionais, atrapalha todo o preparo que o elenco teve para entrar em cena na hora certa. Obviamente, que o público presente não se mostrou muito contente com esta intervenção desagradável e não deu muita margem para que a entrega de prêmios se prolongasse, pois os espectadores ali presentes, havia se deslocado de suas residências para assistirem a uma peça de teatro, não para verem aquela situação absurda.

Apesar deste episódio embaraçoso para o município de Pelotas, o Grupo Cerco não se deixou abalar e apresentou o seu espetáculo com toda a garra e respeito que detém para com a arte. Quem pôde estar presente, saiu do teatro com o deleite de ter assistido a um espetáculo de excelente qualidade.

Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 

Texto publicado em 31/12/2010

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