segunda-feira, 13 de maio de 2013

Aqueles Dois eram Quatro Mineiros


Após a apresentação de um espetáculo carioca de qualidade duvidosa, Pelotas teve o prazer de receber a sensível Cia Luna Luneira de Belo Horizonte/MG. No dia 14 de junho de 2010, o grupo de teatro mineiro apresentou o espetáculo Aqueles Dois, uma adaptação do conto homônimo do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu.

Este é o tipo de obra que nos dá prazer em sentar e falar sobre. Não apenas por ser baseado na adaptação de um texto muito bem escrito pelo escritor gaúcho, mas pela extrema competência com que o grupo de atores conseguiu transpor à linguagem literária para a teatral. O conto original trata da rotina de uma repartição, utilizada como metáfora para falar das relações em sociedade. Neste local, dois homens se conhecem e desenvolvem uma amizade que passa a não ser bem vista pelos demais. A partir disso, os atores construíram uma estrutura dramática que deu tanta vida às situações e aos diálogos apresentados, que seria impossível não atribuir-lhes a devida verossimilhança que as cenas mereciam. A maneira justa e sincera como os textos e os diálogos fluíam entremeando-se, criavam uma atmosfera que ia jogando o espectador pra dentro da cena. Desde o início, apesar da proposta de montagem não ser realista, a verdade com que os atores atuavam dava vida a situações que adquiriam um caráter de realidade, gerando uma fácil identificação com o público presente.

A proposta de direção do espetáculo foi extremamente inteligente, conseguindo imprimir ritmo, delicadeza, força, sutileza e emoção nas medidas certas, quando a cena exigia. Além disso, a ideia de encenação próxima ao público fez com que os ambientes narrados na história, extrapolassem os limites do palco. Muito adequada também foi a proposta de se utilizarem várias gavetas ao redor do espaço cênico, sendo utilizadas como cenário em diversos momentos. Mas, não me refiro a este aspecto de uma maneira simplista, pois a simbologia atribuída a estas gavetas era perceptivelmente intencional para fazer o espectador pensar sobre tudo aquilo que acumulamos nas “gavetas” ao longo de nossas vidas, assim como o ato da escrita ou do pensamento sobre muitos assuntos que ficam guardados e escondidos dos próprios autores. No contexto desta peça, os dois personagens são pessoas solitárias que conservam muitas coisas imperceptíveis aos olhos dos demais. Assim, pouco a pouco, os atores iam desvelando essas “gavetas” e expondo o universo singular de cada personagem. Para tanto, os quatro atores se revezavam entre os personagens do conto, de maneira sutil e sensível, prendendo a atenção do público durante toda a história.

Outro aspecto que chamou a atenção foi a proposta de iluminação extremamente orgânica com o espetáculo, criando uma atmosfera envolvente muito apropriada às situações enfrentadas pelos personagens. Neste espetáculo havia um ótimo exemplo de utilização correta da iluminação, nada foi gratuito e todas as escolhas cromáticas foram pensadas de acordo com o texto e a proposta de encenação. Em determinado momento foi usado o recurso de Black out - que tanto critico, quando mal utilizado- porém, aqui reside um exemplo coerente deste recurso, pois, quando houve o escurecimento da cena, este não foi um mero momento utilizado para trocas de cenários, ou de elementos de cena, foi proposto com o intuito de gerar uma atmosfera que refletia o que os personagens estavam enfrentando. Além disso, a iluminação conferia uma textura que ia muito ao encontro do que provavelmente o autor Caio Fernando Abreu poderia ter imaginado para a cena. No conto, o autor refere uma série de músicas que ajudam a construir o ambiente daquelas pessoas. Neste sentido, os atores utilizam os referenciais musicais originais do texto e acrescentam alguns possíveis pontos de identificação pessoal que se encaixam perfeitamente na proposta.

Bom, agora renderei meus comentários aos atores-criadores desta bela obra de arte. Primeiramente, começarei nomeando-os, pois acredito que, quando um trabalho é bem executado, merece o devido reconhecimento. Por este motivo, destaco minhas congratulações a Cláudio Dias, Marcelo Souza e Silva, Odilon Esteves, Rômulo Braga e Zé Walter Albinati, assim como a todos os membros de sua equipe pelo competente trabalho que trouxeram a Pelotas. Neste sentido, saliento a organicidade e sintonia do jogo cênico entre os atores. As atuações estavam na medida certa, não havia nada de mais, nem de menos, havia, apenas, a precisão. Precisa também foi a condução das emoções, em alguns momentos divertindo o público, em outros os fazendo refletir, se identificar e, por fim, trazendo-os para dentro da emoção. Estes atores deram um bom exemplo do diferencial que a formação, embasamento e o trabalho árduo fazem para a criação de uma obra de arte capaz de tocar ao espectador. As diferenças físicas e interpretativas de cada ator em nada prejudicaram a percepção do público, quando haviam as mudanças de personagens, já que a sintonia entre o elenco criava uma ideia capaz de assimilação e identificação fáceis para o público. Este tipo de situação poderia ter sido muito simplista, caso os atores tivessem feito isso através de interpretações tipificadas, o que não foi caso, neste espetáculo. Devido a isso, ressalta-se ainda mais o trabalho destes atores que conseguiram fazer com que o público abstraísse quaisquer diferenças e se identificasse com o universo interno daquelas pessoas, naquele tipo de situação. Realmente, foi o tipo de apresentação que trouxe um algo mais ao espectador. Feliz daqueles que puderam ter o prazer de assisti-los.

Entretanto, termino este texto lamentando a ausência de divulgação e destaque na mídia local para um espetáculo de alta qualidade artística como este. Cito isto, pois, recentemente, os profissionais da imprensa local deram uma divulgação maciça durante semanas para uma peça de teatro que traria “artistas” televisivos à cidade. Não sei se a alienação das pessoas que escrevem para a mídia impressa e televisiva pelotenses as impedem de ampliar os seus conhecimentos sobre trabalhos com valor artístico respeitável, mas a população da cidade de Pelotas não pode mais ficar sem a notícia e o conhecimento de que artistas competentes trarão o seu trabalho a nossa cidade.

Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606

Texto publicado em 17/06/2010

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