segunda-feira, 13 de maio de 2013

Sem Tropeço nos Dedinhos


Apesar da noite fria e chuvosa do dia 09 de outubro de 2010, algumas pessoas foram até o espaço do Grupo Tholl para assistirem ao espetáculo “Tropeço”, da Cia Tato Criação Cênica, de Curitiba/PR. Sutileza, sensibilidade e talento transbordaram através das mãos dos dois atores/manipuladores Dico Ferreira e Katiane Negrão.

Este foi um espetáculo com todos os exemplos de que para se fazer algo belo, não precisamos de grandes ornamentos cênicos. Os atores, apenas com a utilização das suas mãos e poucos elementos de cena conseguiam criar uma atmosfera de lirismo que prendeu e emocionou ao público do início até o final da peça. Não podemos dizer que se tratava de um teatro de manipulação apenas para adultos, pois as crianças presentes também ficaram encantadas com o que viram. Neste sentido, saliento o talento deste grupo, já que prender atenção de adultos em um espetáculo de manipulação que utiliza apenas as mãos, não é nada fácil.

Além disso, os diálogos entre as personagens se davam em uma língua incompreensível, uma espécie de “blablação”, mas as situações, imagens e a relação entre as personagens eram tão intensas que eu duvido que alguém perdeu a compreensão em algum segundo durante o espetáculo. A história trata de situações vividas entre casais, no caso, o casal em questão eram duas senhoras, já idosas, que iam expondo situações do seu dia a dia de maneira que muitos espectadores iam se identificando com os acontecimentos a cada cena. A maestria com que os atores desempenhavam sua função, possibilitava que os seus dedos adquirissem expressões faciais, demonstrassem múltiplos sentimentos e se transformassem em personagem extremamente carismáticas. O trabalho destes atores foi uma aula para aqueles que se dedicam às artes cênicas.

A iluminação do espetáculo era extremamente funcional e adequada à proposta, sabendo utilizar muito bem os recursos que haviam no local e propiciando a criação do clima que o espetáculo exigia. Também não posso deixar de comentar sobre a funcionalidade dos objetos de cena, todos adaptados ao tamanho das personagens e aos acontecimentos da história. Nada estava ali como elemento decorativo, ou fora de proposta apenas para preencher um espaço, tudo compunha aquele ambiente e passava a verossimilhança que o público precisa para gerar identificação. Além destes aspectos, não posso deixar de citar a trilha sonora que era muito bem executada vocalmente pelos atores, ou em alguns momentos com incursões externas muito adequadas.

Porém, me entristeceu o fato de chegar no local e ver que haviam muitos assentos disponíveis, muitas cadeiras vazias e muito espaço que poderia ter sido preenchido por espectadores que, possivelmente, nunca tiveram contato com um espetáculo desta linguagem anteriormente. O espaço do Grupo Tholl é amplo, extremamente adaptável a qualquer tipo de proposta cênica, muito bem equipado e com amplo espaço para receber um grande número de espectadores. Entretanto, não entendo a lógica dos contratantes de espetáculos teatrais que se destinam a vir a Pelotas, pois percebo que, mesmo os espetáculos sendo gratuitos, não encontramos plateias lotadas. Seria por falta de público na cidade de Pelotas?

Duvido. Numa cidade com quase 400 mil habitantes, alguém acha que não existe público para encher a plateia de um teatro? Quem achar que não, eu convido a ir pelas ruas a esmo e sair convidando as pessoas para assistirem a um espetáculo de teatro, duvido que não conseguíssemos lotar uma plateia rapidamente. Além disso, este espetáculo era gratuito, mais um motivo para não compreendermos porque haviam menos de 30 pessoas na plateia. Este fato é ainda mais absurdo quando pensamos que, nesta cidade, existem dois cursos universitários da área de artes cênicas, com quase 200 alunos e um corpo docente especialista na área. Persisto em bater nesta tecla de que, estudantes de artes não aprendem apenas lendo nos livros, precisam ir in loco, assistir, presenciar, compartilhar sobre as mais diversas expressões artísticas também fazem parte do seu aprendizado e de seus professores também, uma vez que precisam deste contato com a produção artística para que não tornem os seus conceitos desatualizados da praxis artística de nosso país.

Mesmo assim, não podemos pensar que apenas os estudantes de artes devam prestigiar aos espetáculos que visitam nossa cidade. O artista não pode ter o pensamento equivocado de que sua arte deva ser produzida apenas para alguns poucos iniciados, ou para apenas ficar no plano das ideias. No caso, sobre o teatro, é mais do que óbvio que o evento teatral só acontece quando temos o artista e o espectador. Mas, não acredito que alguém leve tanto tempo montando um espetáculo para apresentar para poucas pessoas. O que os atores mais querem é que seu trabalho seja visto pelo maior número de pessoas possível, senão não faria sentido fazê-lo.

No que se refere às plateias vazias na cidade de Pelotas, acredito que muitos aspectos estejam relacionados à incompetência das políticas culturais locais, da alienação dos trabalhadores da cultura em mobilizar a sociedade para estes equívocos na gestão cultural, da falta de reivindicação dos seus direitos e suporte para o seu mercado de trabalho. Além deste aspecto, está o fato dos contratantes de espetáculos locais trazerem espetáculos tão belos, como o da Cia Tato Criação Cênica, de Curitiba/PR e não divulgarem este espetáculo nos meios de comunicação locais da mesma forma que fazem quando trazem peças de teatro com elenco televisivo.

Outro aspecto importante e muito determinante é a falta de interesse e compromisso da mídia local com a divulgação de espetáculos que não tenham atores das telenovelas. Talvez isto seja reflexo da própria alienação dos trabalhadores dos meios de comunicação local que utilizam a televisão como sua única fonte de obtenção de algum tipo de referencial estético. Entretanto, cabe aos artistas locais pressionarem à mídia para que ela disponibilize espaço para quem não tem seu trabalho entre as celebridades oriundas de outras linguagens.

Apesar da plateia estar vazia, os que se fizeram presentes puderam desfrutar de um grande momento e de um espetáculo muito delicado. Espero que, em 2011, venham outros espetáculos com a mesma qualidade artística deste grupo. Mas que, nas próximas vezes a população pelotense possa ao menos saber que estes espetáculos estão vindo à cidade para decidirem se querem desligar o aparelho de TV e desfrutar de um programa cultural, possivelmente, pela primeira vez.

Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606

Texto publicado em 31/12/2010

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