segunda-feira, 13 de maio de 2013

Teatro Canadense por Brasileiros




Mesmo com o Brasil tendo uma enorme quantidade de excelentes obras dramatúrgicas, a montagem de peças de autores estrangeiros além de trazer um novo colorido à cena teatral, amplia o repertório literário dos espectadores para além de suas fronteiras. Recentemente, uma série de espetáculos tem trazido textos canadenses aos palcos brasileiros, possibilitando um contato mais próximo com as temáticas abordadas no cenário da América do Norte.

Nesse contexto, no dia 26 de junho de 2012, Pelotas recebeu, no Theatro Guarany,  a peça “A Primeira Vista”, do autor canadense Daniel MacIvor. Sob direção de Enrique Diaz, Drica Moraes e Mariana Lima vivem as personagens de uma trama conduzida pela busca de identidade e definições sobre o que o futuro lhes reserva. Com momentos divertidos e comoventes, a peça conta a história dessas amigas que vão dividindo os seus pontos de vista com a plateia.

Podemos dizer que um dos valores positivos desse texto se refere à estrutura narrativa, pois ela vai expondo as situações aos poucos, como que traçando um panorama geral da vida dessas mulheres. Paulatinamente, alguns diálogos são entrecortados com a partes com a plateia, construindo um elo de intimidade com os espectadores para além da simpatia pelas atrizes, mas criando uma cumplicidade com a situação que está sendo exposta. Dentre as muitas temáticas abordadas, gostaria de destacar a busca pela identidade dessas mulheres naquele contexto de mundo em que estão inseridas, discussão muito pertinente nos dias de hoje e comumente levada aos palcos dos grandes centros urbanos.

Mas, ressalto uma peculiaridade do texto: o autor vai expondo as personagens aos poucos, gerando uma identificação dos espectadores com elas, fazendo-os aceitar e a respeitarem-nas em essência, quando ele traz à tona a temática da dúvida sobre a sexualidade. Nesse momento, de maneira muito delicada, ele trata a homossexualidade ou bissexualidade das personagens de maneira justa, sem estereótipos, superficialidades e, acima de tudo, com respeito. Fiquei muito abismado com o fato da hipocrisia e do falso moralismo ainda se manterem tão arraigados na “sociedade” pelotense, pois, quando as personagens começam a desvelar a sua identidade sexual, não foram poucas as reações da plateia em desagrado.

Talvez, o maior desconforto se deva ao fato de que, como as personagens foram tão bem apresentadas ao longo da peça, construindo uma cumplicidade com a plateia, no momento em que a sexualidade entra em voga, os espectadores tão acostumados a tratarem a homossexualidade com o desdém dos programas televisivos de “humor” ou de alguns stand up comedies de gosto duvidável, não conseguissem expor publicamente a sua conduta de intolerância, pois, ali, não havia suporte que a justificasse. Podemos supor que o desconforto possa advir dessa situação, onde não há a segurança do fazer deboche em cima de uma condição humana que justifique o riso, nem tão pouco por tratá-la como algo fora do comum.

Ao se deparar com essa situação tratada com tanta sutileza e respeito, esses espectadores não sabem que postura adotar em meio à “sociedade” que ali está presente assistindo ao espetáculo. Destaquei essa situação específica com o intuito de ressaltar o valor e a necessidade que o teatro desempenha na construção de uma sociedade mais crítica e respeitável frente a todas as diversidades.

A direção de Enrique Diaz é limpa. Apesar da concepção de encenação colocar as personagens dentro de um grande cenário, acredito que a opção tenha sido para deixar aquele local como figuração de qualquer contexto espacial, regional ou social. Entretanto, apesar de possuir muitos desenhos e rabiscos, o cenário nos passa a ideia de vidas que estão sendo escritas, porém que não partem de um passado inexistente, os registros estão sempre ali, colaborando para a formação daqueles sujeitos. Mesmo com esse cenário, o diretor consegue dar o devido destaque que as atrizes necessitam para estabelecerem a relação de suas personagens com a plateia.

Obviamente, por se tratar de um texto canadense, a maneira como a história é contada difere do que costumamos ver na dramaturgia brasileira. A narrativa se sobressai de maneira “cerebral” em alguns momentos, dando vazão a um grande volume de textos, com textos de conteúdo profundo e reflexivo, porém não expostos de forma direta e simplista. Esse fato obriga o espectador e estar atento ao conteúdo das falas indo além de uma leitura superficial dos fatos. Talvez, essa peculiaridade tenha gerado uma impressão de que o espetáculo tinha um ritmo muito lento para os espectadores. Eu discordo desse ponto de vista, apenas considero que o público brasileiro costuma estar mais acostumado com espetáculos que exploram ritmos mais acelerados, grandes movimentações cênicas e informações passadas de maneira mais direta.

Claro, não posso deixar de comentar o trabalho de Drica Moraes e Mariana Lima. Duas atrizes que são conhecidas do público de massa por meio das telenovelas, no entanto vêem de uma longa e consolidada trajetória no teatro brasileiro. O talento de ambas as atrizes permite que elas consigam prender a atenção dos espectadores, trazendo-os para dentro daquele universo vivido pelas personagens com uma categoria que dificilmente seria alcançada por outro elenco. Muito embora alguns cacoetes e expressões faciais viciadas das telenovelas tenham me incomodado em alguns momentos, a maneira como as atrizes compreendem a profundidade de cada personagem, nos faz olhar para além da forma. Muito delicada, sensível e leve, assim pode ser definida a atuação das atrizes nesse espetáculo.

Portanto, considero que a presença desse espetáculo nos palcos dessa cidade tenha sido de grande valor para propiciar aos nossos espectadores algumas reflexões diferenciadas sobre as perspectivas que temos da vida como um todo. Além disso, continuo lamentando que Pelotas não disponha de um teatro público, onde os ingressos possam ser mais baratos, permitindo à população um acesso mais facilitado à produção teatral contemporânea.

MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

Texto publicado em 18/08/2012

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