segunda-feira, 13 de maio de 2013

Verossimilhança Uma Palavra que Parece Esquecida nos Teatros




O título que dei a esse texto não foi ao acaso, nem gratuito. Após assistir, no dia 11 de agosto de 2012, ao espetáculo “Boneca Teresa”, apresentado pelo grupo porto alegrense Teatro Imaginado, no Teatro do COP, saí pensando que os atores contemporâneos estão precisando voltar a prestar mais atenção no significado da palavra verossimilhança.

Embora algumas estéticas teatrais se proponham a trabalhar com personagens e situações irreais, mesmo assim, quando os atores atuam nesses espetáculos, devem passar a verdade de seus personagens, ou o que chamamos de verdade cênica.  Entretanto, quando a estética é realista, ou até mesmo naturalista, o ator não pode pecar na interpretação que permita ao seu personagem a identificação como um ser humano que transpareça irrealidade.

Com concepção, direção e atuação de Jordana de Moraes e Larissa Gonzales, o espetáculo baseado na obra de Carlos Carvalho pecou na verossimilhança da interpretação das atrizes. Apesar delas se esforçarem em imprimir a construção de personagem tentando caracterizá-las corporalmente, saltava aos nossos olhos um excesso de tensão muscular e apelo para alguns clichês interpretativos.

O espetáculo conta a história de duas mulheres que se encontram trancadas num apartamento onde um homem havia as levado para fazer um programa. As cenas eram entre cortadas pelos diálogos das personagens prestando depoimento em uma delegacia sobre o que realmente estavam fazendo naquele local. Evidentemente, há um confronto e desvelamento de hipocrisias e falsos moralismos, à medida que a personagem que se diz puritana vai revelando que sua situação não é muito diferente da prostituta. Esse tipo de circunstância costuma ser uma armadilha em algumas peças de teatro, pois cair em clichês é muito fácil e simplista.

A atriz que fazia a personagem puritana exagerou na tentativa de mostrar uma pretensa seriedade, ao passo que, nós espectadores, ficávamos com a impressão de que mais parecia a caricatura de uma personagem de telenovela, do que de uma realidade teatral. Além disso, a outra atriz, que interpretava a prostituta, exagerou na tensão da musculatura da região escapular, na tentativa de imprimir uma corporeidade peculiar à personagem.  Apesar disso, ficava claro que a atriz estava empenhada em investigar como seria a personificação corporal de uma profissional do sexo. No entanto, acredito que faltou um laboratório com maior afinco à construção dessa personagem e, após esse período, uma dedicação maior ao exercício e à experimentação cênica, antes de levar a personagem ao palco.

O universo naturalista costuma abordar uma intensificação da realidade, em um ambiente que desvela a hipocrisia da sociedade, questionando seus valores morais, por meio de personagens que são frutos do meio em que convivem. Esse fato pode contribuir para uma falsa impressão de que interpretar uma personagem tão real seja fácil aos atores. Porém, a facilidade pode funcionar mais como uma armadilha, do que como sucesso de atuação. Para dar a extrema realidade que o papel exige, o ator não deve buscar saídas estereotipadas de caracterização corporal, muito menos uma elocução teatralizada demais. Sendo assim, o ator deverá, não apenas compreender o universo que as personagens estão inseridas, mas também saber o porquê cada uma daquelas palavras está sendo dita naquele momento da peça. Mas, além disso, deve construir os subtextos de cada fala, trazer para o seu corpo essas informações de maneira limpa, coerente e sem exageros.

Esses são apenas alguns aspectos que o ator deve preparar antes de levar o seu trabalho para apreciação do público. Quando há uma falha em algum desses processos, todas as fragilidades ficam expostas e chamam atenção dos espectadores. Nesse sentido, a grande perda do espetáculo se reflete na verdade cênica, gerando um afastamento do envolvimento do público com a problemática vivida pelas personagens. Desse modo, o que poderia vir a comover o espectador, acaba não surtindo nenhum efeito.

Apesar de ter feito muitas críticas ao trabalho das atrizes, não questiono a competência profissional delas. Mesmo com o problema de concepção na criação das personagens que citei anteriormente, as atrizes seguram o espetáculo e não deixam em nenhum momento a impressão de que elas não tenham talento para o ofício cênico. Como o espetáculo conta com a direção das duas atrizes, acredito que lhes faltou um olhar de fora, distanciado do seu processo criativo para lhes orientar e ajudá-las a fugir de algumas armadilhas cênicas.

Portanto, para finalizar esse texto, gostaria de reforçar o conselho aos atores para dedicarem uma atenção maior à verossimilhança de sua personagem. Apesar da diversidade de propostas estéticas teatrais e dos hibridismos cênicos contemporâneos, o ator não pode se perder no meio dessa profusão de informações e construir uma personagem inverossímil. O espectador quer e necessita acreditar naquilo que lhe está sendo contado para que ele possa mergulhar no universo imaginário do espetáculo teatral. Para que isso ocorra, há a necessidade de um árduo, atento e dedicado trabalho por parte dos profissionais das artes cênicas. Talvez, as reflexões aqui deixadas ilustrem ao leitor o quão difícil é o trabalho de um ator e o quanto devemos valorizar o empenho e dedicação desses profissionais.

Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

Texto publicado em 12/08/2012

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