domingo, 3 de novembro de 2013

A Catwalk for a Performance



     A sinestesia costuma ser o mote de alguns espetáculos e performances em teatro que se preocupam mais com o estímulo, despertar e desvelar de sentimentos e emoções nos espectadores, do que com a apresentação de uma narrativa que apresente uma história. Entretanto, dada à especificidade estética e conceitual destas propostas, elas costumam ser apreciadas apenas por um seleto grupo de pessoas que dispõem de repertório capaz de compreendê-las dentro de sua própria linguagem e dos hibridismos que as atravessam, borram e intercomunicam.

     Esse é  caso de Liquidação, uma performance teatral com direção de Maurício Casiraghi que propõe uma diversidade de sensações, por meio de experimentações de diálogos entre os diversos atravessamentos de linguagens artísticas, característicos do teatro contemporâneo. O espetáculo se desenvolve com o ritmo de um desfile de prêt-à-porter, mostrando diversas composições resultantes de um processo de concepção elaborado com toda a disposição e ousadia de jovens artistas que se propõem à experimentação cênica como processo de compreensão de suas sensibilidades enquanto artistas em formação e, ao mesmo tempo, o fazem jogando essa busca para o diálogo com a plateia. A comparação com o refinamento dos desfiles de prêt-à-porter não é feita ao acaso, pois ao se jogarem à experimentação, os artistas ali expostos portam não somente a instigação de sinestesia para a plateia, eles portam para si mesmos a busca pela compreensão do que virão a sentir como artistas da cena.

     O elenco formado por Diego Nardi, Gabriela Chultz, Genises Azevedo e Talyta da Rosa não constroi personagens, nem se insere em uma narrativa literária. O grupo experimenta diversos recursos em cena. O diálogo com projeções, filmagens, exposição de imagens e utilização de técnicas de vídeo com Chroma key além de propor um diálogo não linear da cena com os espectadores, intensifica algumas reflexões sobre o valor que damos às imagens, ao corpo e do quanto a mídia pode colocar e manipular qualquer aspecto, expondo-o em uma banca de liquidação, reduzindo seu valor e importância para que sejam vendidos e consumidos a qualquer preço.

     A iluminação de Lucca Simas é outro elemento que se propõe à experimentação de como compor a cena e como se relacionar com o contexto cênico e os espectadores na busca de desvendar os mecanismos que levam a iluminação a desenvolver um processo de dramaturgia da iluminação cênica. O espaço da Bibliotheca Pública Pelotense funcionou muito bem para a proposta do grupo, pois além de propiciar que os espectadores fiquem bastante próximos da encenação, possibilitava que o grupo experimentasse suas pesquisas cênicas de caráter contemporâneo dentro de um prédio histórico, construído no século XIX.

     Obviamente que esse espetáculo faz parte de uma proposta surgida nos bancos acadêmicos por jovens artistas em formação. Esse fato talvez ressalte uma ânsia de todos os criadores ali envolvidos em romperem com os conceitos engessados pelas mentes teóricas da academia e se proporem ali, ao longo dessa experimentação, a descobrirem como se dá o processo artístico longe dos livros e quando em contato com o público. O fato de ser um trabalho experimental reduz a amplitude de abrangência de público para esse espetáculo, assim como para as suas possibilidades comerciais e de empatia com os espectadores em geral.

     Mesmo assim, considero ser muito importante que os artistas possam ter esses momentos em que se jogam à busca pela pesquisa sinestésica para se compreenderem dentro de sua arte e, assim, poderem desenvolver futuros projetos onde o público também esteja incluído nos objetivos do prazer que a obra artística desenvolverá quando levada aos palcos. No entanto, o grande desafio para os artistas aqui não reside apenas nas suas pesquisas, mas sim em perceberem se o seu objetivo futuro será o de realizarem pesquisas de linguagens artísticas para o desenvolvimento de conceitos reflexivos intrínsecos a sua arte, ou de produzirem obras teatrais para o deleite dos espectadores. Se os objetivos estiverem ligados à segunda situação, esses jovens artistas já devem atentar para o fato de que o público em geral não tem a obrigação de compartilhar dos seus referenciais conceituais, estéticos e técnicos para serem tocados pelos espetáculos que lhes serão apresentados.

     Portanto, apesar da especificidade e necessidade de repertório estético que dialogue com a formação desses artistas, o espetáculo Liquidação, apresentado em 29 de junho, não ficou hermético em sua proposta, uma vez que todos ali presentes eram pessoas relacionadas às artes cênicas. Fica aqui uma dica para quem desejar prestigiar um espetáculo que se propõe a mostrar a busca estética de jovens artistas como se apresentadas em uma passarela, passeando rapidamente pela quebra de fronteiras entre as linguagens artísticas e o aprofundamento nos hibridismos entre elas.

Vagner Vargas
Ator – DRT: 6606

Crítico de Teatro

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