domingo, 3 de novembro de 2013

Teatro Infantil com a Qualidade que as Crianças Merecem

     Não foram poucas as vezes que eu escrevi críticas sobre peças de teatro infantil em que as montagens ou se direcionavam mais aos adultos ou tratavam as crianças como seres desprovidos de inteligência. Todavia, quando assisto a um espetáculo que consegue levar teatro de boa qualidade ao público infantil, não me restrinjo de enaltecer e ressaltar todos os predicados positivos que podemos atribuir ao trabalho.

     O texto a seguir se refere à apresentação do espetáculo O Vendedor de Palavras, do Grupo Mototóti, de Porto Alegre, apresentado no dia 04 de junho de 2013, no Theatro Guarany, em Pelotas. A peça aborda o incentivo à leitura por meio de uma história repleta de aventuras e estímulos ao lirismo do universo existente em nossa imaginação. A maneira como os atores Fernanda Beppler e Carlos Alexandre concebem e desenvolvem o espetáculo traça um ótimo paralelo com o prazer despertado pela leitura. Sem caírem no jogral ou nas saídas óbvias, os atores vendem muito bem a ideia de que a leitura é algo prazeroso, divertido e que pode ser muito positiva em nossas vidas.
       
       A direção de Arlete Cunha coloca a sua mão com delicadeza e sabedoria, conseguindo fazer com que todo o espaço cênico seja utilizado de maneira eficiente ao longo do espetáculo. Além disso, sua direção dialoga profundamente com o entrosamento cênico dos atores, gerando um espetáculo de forte empatia com o público.

     As personagens criam situações e brincadeiras de maneira muito inteligente, jogando com o significado das palavras e despertando a curiosidade dos jovens espectadores em terem um conhecimento mais profundo sobre o mundo das letras. Além disso, a maneira como a dramaturgia do espetáculo, concebida por Rodrigo Monteiro, a partir da cônica de Fábio Revnol, consegue prender a atenção das crianças, despertando a sua curiosidade, levando o lúdico, estimulando a imaginação e fazendo-as refletir durante todo o desenrolar da história. No que se refere ao domínio e a utilização adequada das diversas técnicas teatrais, os atores merecem todos os elogios, pois conseguem fazer uso do seu vasto repertório de maneira muito coerente e extremamente apropriada ao público infantil.

     Os figurinos concebidos por Coca Serpa são funcionais, coesos na identidade visual do grupo, colaboram na construção da imagem das personagens e nas diversas situações que elas enfrentam. Mesmo desvelando aos espectadores que os figurinos não correspondem a uma ideia de ilusão de personagens que apenas poderiam viver no mundo dos palcos, os atores não inviabilizam que as crianças recebam essa informação e a signifiquem como possibilidade de comporem o seu universo imaginário. Essa situação é bastante interessante, pois a maneira como os atores trocam de figurinos em cena e mostram que pequenos elementos de cena podem colaborar para identificar um personagem, também mostra às crianças que elas podem se utilizar dessas ferramentas para criarem os personagens em suas brincadeiras diárias.

     O cenário do espetáculo, concebido por Carlos Alexandre e Zoé Degani, é compacto e extremamente funcional. Fica evidente que há um intenso trabalho do grupo em utilizar todos elementos de maneira criativa, estimulando o lúdico e mostrando que, com pequenas ações, um mesmo objeto pode se transformar em diversos cenários. Essa também é uma das características de estímulo ao lúdico muito bem desempenhadas pela equipe. Nenhum elemento de cena ou peça de cenário é posta ali em vão, nada é meramente ilustrativo, tudo faz parte de uma concepção orgânica onde o objetivo maior é contar uma história.

     Outro fator positivo do espetáculo é a trilha sonora executada ao vivo pelos próprios atores que tocam os instrumentos e cantam ao mesmo tempo. Música ao vivo sempre agrega uma qualidade maior ao espetáculo e provoca um encantamento mais eficiente em qualquer plateia. Os atores dominam muito bem as técnicas musicais tanto para os instrumentos, quanto para a voz. Esse é um aspecto muito importante, pois sempre defendo que, quando um ator deseja cantar ou tocar um instrumento em cena, ele deve, acima de tudo, dominar essas técnicas. Nesse caso, Fernanda e Carlos mais que dominam essas técnicas e conseguem trazer os espectadores para dentro da cena, enquanto desenvolvem a trilha musical do espetáculo.

     Além de tocarem as músicas ao vivo, os atores também manipulam bonecos e utilizam técnicas de máscaras cênicas em cena. A criação dos bonecos e máscaras ficou por conta da Cia Gente Falante, que soube executá-los com maestria. Fica evidente que os atores dominam muito bem as técnicas corporais e que sabem tirar o melhor proveito do seu repertório para construírem suas personagens com a verossimilhança que o público infantil merece. Apesar de identificar os diversos referenciais de técnicas corporais e de outras tantas técnicas teatrais presente nas atuações de Fernanda e Carlos, os atores conseguem utilizá-las de maneira muito eficiente e criativa para que não transpareçam como demonstrações de técnicas teatrais. Dessa maneira, os atores possibilitam que os espectadores se envolvam na narrativa, acreditem na verdade das personagens e mergulhem no imaginário da história.

     Também não posso deixar de destacar o forte entrosamento dos atores em cena, assim como o ritmo e time perfeito com que eles conduzem a história, jogando de maneira bastante eficiente, sem deixarem a energia cair em nenhum momento. Além disso, há outro aspecto que não se consegue aprender em nenhum livro, muito menos em nenhuma escola de teatro: o carisma. Os dois atores são extremamente carismáticos e as crianças se identificam muito com eles.

     Além da qualidade artística do Grupo Mototóti, vale ainda ressaltar o importante papel que eles cumprem não apenas em levarem uma peça de teatro para a apreciação do público infantil, mas também por estimularem o lúdico, o imaginário e, acima de tudo, o prazer e importância da leitura. Desse modo, finalizo esse texto re-re-re-re-enfatizando que o espetáculo O Vendedor de Palavras  funciona como um exemplo de peça de teatro que deveria ser ofertada frequentemente as nossas crianças.

Vagner Vargas
Ator – DRT: 6606
Crítico de Teatro

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